terça-feira, 2 de março de 2010

O COMEÇO DO DESCONTROLE

À primeira vista, Beatriz parece uma jovem alegre. É morena, alta e tem um sorriso largo. A dificuldade em olhar nos olhos dos estranhos sugere timidez. As respostas monossilábicas comprovam. Com o passar do tempo, ela se solta, se mostra simpática e muito bem articulada. Risonha até. Mas quando discorre sobre os momentos mais difíceis da sua vida, abaixa a cabeça e o tom de voz. Silencia. Fala pouco, não faz perguntas nem sorri. Mantém o olhar fundo e distante. E até se contradiz para responder rapidamente a perguntas nitidamente incômodas. Age como quem quer se livrar da memória.

Filha única de pais separados, ela teve uma infância comum. Era boa aluna na escola e fazia aulas de inglês, teclado e natação. Morava com a mãe numa cidade do interior do estado de São Paulo e passava os fins de semana na casa do pai. A convivência familiar era harmoniosa. Ela adorava dar festas de aniversário. Mas aos 11 anos perdeu o contato com o pai por causa de brigas entre ele e sua mãe. A convivência com Leandro*, o padrasto, que viera morar em sua casa, também era difícil. Ela diz que não aceitava as ordens dadas por ele e também tinha ciúmes do padrasto com sua mãe. 'Me senti duplamente abandonada: pelo meu pai, que deixou de me ver, e pela minha mãe, que começou um relacionamento novo', diz. Por causa dos problemas familiares, Beatriz entrou na adolescência como uma menina triste e solitária. Foi se afastando dos amigos, até que os perdeu completamente. Aos 21 anos, entrou em depressão profunda.

Beatriz começou a se cortar aos 22. Estava na faculdade fazendo um trabalho com arame. Frustrada por não conseguir pôr suas ideias em prática, começou a chorar desesperadamente. Sentou no chão, pegou um fio de arame e começou a desenhar listras nos braços. Não chegou a se arranhar, mas aquilo fez com que se sentisse melhor. Beatriz levou o arame para casa. Na segunda vez, também se arranhou. Na terceira, poucos dias depois, se cortou. 'Comecei a me mutilar todas as vezes em que sentia raiva de mim mesma ou culpa de errar. Sempre fazia isso escondido.

Não queria que ninguém soubesse. Às vezes era por um motivo bobo: porque eu tropeçava na rua e me sentia ridícula (eu não podia ser ridícula). Quando sentia que chateava alguém, quando brigava com a minha mãe, quando sentia saudade, quando me frustrava. Ao mesmo tempo que a mutilação era uma forma de punição, era também uma redenção. Era um sentimento ambíguo', afirma. 'Uma vez me cortei porque liguei para uma amiga para dar parabéns no seu aniversário e ela me disse, chorando, que o melhor presente que eu poderia dar era parar com a mutilação. Aquilo foi horrível para mim.

Durante dois anos, Beatriz diz que se cortou quase todos os dias, inclusive quando estava feliz. 'No dia em que entreguei a minha pesquisa de iniciação científica, meu orientador disse que estava tudo certo, que o trabalho estava bom e me encheu de elogios. Fiquei muito feliz, mas era como se não pudesse sentir aquilo. Ao mesmo tempo, me cortar também era uma alegria. Aumentava minha felicidade. É difícil explicar... Então me cortei.' Com o tempo, as colegas de república estudantil e os amigos de faculdade descobriram que Beatriz se mutilava. Foi ela mesma quem contou para alguns deles.

A reação dos mais próximos, segundo conta, foi de chegar ainda mais perto para tentar ajudar. As companheiras de apartamento vigiavam-na, faziam companhia, conversavam. Mas em um segundo momento as pessoas se cansaram, foram se enchendo o saco porque eu continuava com o mesmo comportamento. Não aguentaram a situação e se afastaram. E eu fiquei pior ainda. Perdi grandes amigos. E as amizades que não perdi ficaram profundamente abaladas.

3 comentários:

  1. NUNCA TE ABANDONAREI; PASSE O QUE PASSAR SEMPRE ESTAREI AO SEU LADO; NUNCA ME CANSAREI

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  2. conte comigo sempre que presizar ... nunca abandonarei você meu amigo !!!

    Abraço

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  3. puxa!! sei como é dificil as vezes arrumarmos a melhor maneira de degustas nossas angustias, naum sou cutting mas sofro de um transtorno de ansiedade(fobia social) sei o qnto e dificil mudar habitos impostos por esta condicao, de querer enfrentar e se pegar de novo encalusurado dentro de casa e as pessoas que mais amamos sendo enfraquecidas, sim, enfraquecidas por naum suportar mais a procastinacao da gente alhumas vezes por serem meramente seres humanos, perdi mto amigos tbm como beatriz e horrivel ver relacoes sendo rompidas.ainda mais gente que gostamos! abraco e parabens pelo texto fala mto a mim.

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