“Eu me sinto aliviado e menos ansioso após me cortar. A dor emocional vagarosamente se esvai em dor física.”
“É uma maneira de ter controle sobre meu corpo porque eu não consigo controlar mais nada em minha vida.”
“Isso expressa a dor emocional e os sentimentos que eu não consigo pôr em palavras.”
“Eu normalmente sinto como se tivesse um buraco negro no fundo do meu estômago. Pelo menos, se eu sinto dor é melhor do que não sentir nada.”
Há algumas razões que os jovens dão para o porquê de deliberadamente e repetidamente machucarem seus próprios corpos, um distúrbio caracterizado por ser um fenômeno difícil de tratar e que os especialistas dizem aumentar entre os adolescentes, colegiais e jovens adultos.
Especialistas alertam os pais, professores, amigos e profissionais a estarem alertas para os sinais desses comportamentos e não aceitá-los sem questionar as explicações espúrias sobre as lesões - como “eu me cortei na mesa da cozinha”, “ eu caí da escada” ou “meu gato me arranhou”.
Tão logo o comportamento seja detectado e tratado, afirmam os especialistas, é provável que mais rápido termine o problema, sem deixar cicatrizes físicas.
Não há números exatos para esse grande problema ainda escondido, mas pesquisas entre estudantes jovens sugerem que 17% deles já se auto mutilaram e especialistas estimam que a automutilação abrange praticamente 15% da população geral de adolescentes.
Os especialistas dizem que a automutilação é frequentemente uma resposta emocional e não uma tentativa de suicídio. Contudo o suicídio entre os automutiladores é uma preocupação.
A Associação de Saúde Mental do Canadá descreve o problema da seguinte forma: “Usualmente eles não estão tentando acabar com todos os sentimentos; estão tentando se sentir melhor. Sentem dor externa, não interna.”
As celebridades também têm contribuído para o aumento do problema. A princesa Diana, Johnny Depp, Angelina Jolie, Nicole Richie, Richie Edwards, Courtney Love e a vocalista do Garbage, no álbum “Bleed Like Me”, estão entre aqueles que confessaram ter se automutilado.
Automutilações comuns incluem cortar a pele, arranhar, queimar, arrancar ou puxar a pele ou cabelo, beliscar, bater, engolir doses sub-letais de substâncias tóxicas, bater a cabeça, enfiar agulhas ou quebrar os ossos. Os alvos usuais são os braços, pernas e dorso, áreas de fácil contato e também fáceis de serem escondidas sob a roupa.
A automutilação pode tornar-se um vício. Os especialistas argumentam que determinado comportamento pode ter sido reforçado com o lançamento no cérebro de endorfinas opióides que resultam em um alívio emocional alto e natural.
Quem está vulnerável?
A automutilação frequentemente começa com as mudanças emocionais intensas da pré e começo da adolescência, podendo persistir até a idade adulta.
Ainda que a mulheres sejam mais frequentemente assistidas por profissionais, estudos indicam que o comportamento é praticado em igual proporção por homens. Nenhum grupo racial ou socioeconômico é mais vulnerável,
Entrevistas com automutiladores mostraram que alguns fatores podem instalar e perpetuar o comportamento. Uma história de abuso sexual na infância, especialmente o abuso emocional, foi reportado por metade dos automutiladores ou mais. Alguns procuram alívio para a dor emocional. Outros infligem dor para punir a si mesmos pelo que percebem ter sido seu papel em permitir o abuso.
Baixa auto-estima é comum entre os automutiladores. Negligência na infância, isolamento social e condições instáveis de vida são citadas como fatores de risco. Em aproximadamente 25% dos automutiladores há uma história de transtorno alimentar, assim como abuso de álcool e sexo de risco.
As famílias dos automutiladores comumente suprimem as emoções negativas. As crianças crescem sem saber como expressar e lidar com sentimentos como o ódio ou a tristeza, direcionando a dor emocional para si.
Embora 60% dos automutiladores nunca tenha tido pensamentos suicidas, esse comportamento pode ser o gatilho para o comportamento suicida. A automultilação pode também acidentalmente resultar em suicídio.
“Aqueles que se automutilam deveriam ser avaliados como suicidas em potencial”.
Há alguma evidência de que a automutilação é mais comum entre aqueles com famílias com histórico de suicídio. Alguns automutiladores sofrem também de problemas emocionais (tratáveis) como a depressão, o estresse pós-traumático ou o transtorno obsessivo-compulsivo.
A automutilação pode ser instalada por certos eventos como a rejeição por alguém importante, a sensação de estar errado ou ser culpado por algo de que a pessoa não tenha controle.
Tratamento
Ainda que não existam medicamentos que tratem a automutilação, drogas que tratam os problemas emocionais colaterais como a depressão e a ansiedade podem ajudar. Mais efetivo em geral é uma forma de terapia cognitivo-comportamental * chamada terapia comportamental dialética. Nela as pessoas aprendem habilidades que podem ajudá-las a tolerar o estresse, regular as emoções e melhorar seus relacionamentos.
Em adição, os automutiladores podem aprender outras formas de aliviar o estresse, como a meditação ou o yoga, o engajamento em atividades físicas ou ainda o entretenimento com um amigo.
Alguns automutiladores notaram também que algumas vezes podem evitar o comportamento simplesmente fazendo outra coisa por alguns minutos quando o impulso aparece.
Tradução organizada por Paulo Abreu
* (nota do tradutor): a terapia comportamental dialética (DBT) é melhor reconhecida na literatura científica como sendo uma terapia comportamental contemporânea, não uma terapia cognitivo-comportamental (ver texto 2 Paulo). Foi inicialmente aplicada ao Transtorno de Personalidade Borderline, sendo hoje tida como seu tratamento de excelência.
Originalmente publicado no jornal The New York Times
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