quinta-feira, 18 de março de 2010

Depressão maior e Suicídio

A associação entre o quadro clínico de depressão maior e
comportamento suicida tem sido largamente descrita. Tais achados
parecem ser confirmados em diferentes desenhos metodológicos
e em distintas populações. Por exemplo, investigações de base
populacional nos Estados Unidos (National Comorbidity Survey
e Epidemiologic Catchment Area), Canadá e áreas urbanas da
China indicam que depressão é a principal entidade nosológica
associada a tentativas de suicídio, à ideação suicida e a planos
suicidas, reportaram que, comparado aos transtornos de
ansiedade, o diagnóstico de depressão maior esteve associado a
uma razão de chances cerca de dez vezes maior (OR = 1,9-18,5
e OR = 17,8-50,0, respectivamente).
Colaboram os achados chineses, indicando a persistência destes em contextos
culturais distintos. Adicionalmente, atestaram a
estabilidade temporal desta associação ao comparar os resultados
do NCS (coletados em 1990-1992) aos do NCS-R (obtidos em
2001-2003). Após uma década, a proporção de depressão maior
em indivíduos com ideação, plano, gesto e tentativa de suicídio
manteve-se comparável.
Diversos estudos de base clínica também abordam a associação
depressão e suicídio, com conclusões que apontam para a mesma
direção. Com um desenho longitudinal retrospectivo,reportaram uma chance maior de morte por suicídio = 1,72 em um grupo de pacientes taiwaneses com diagnóstico
de depressão maior em relação a um grupo controle. Por meio
de estudos de caso-controle com procedimento diagnóstico baseado em entrevistas do tipo autópsia psicológica, o Grupo de Estudos em Suicídio da MGill tem consistentemente indicado a extensa associação entre depressão maior e suicídio.
Investigaram homens vítimas de suicídio e controles pareados da
comunidade de Montreal, explorando os padrões de comorbidade
por meio de análise de classes latentes. Depressão maior foi o
diagnóstico de Eixo I mais freqüentemente encontrado (38,7%no grupo em estudo vs. 5,3% no grupo controle). Utilizando uma estratégia inovadora de coleta de dados retrospectiva (Life Trajectory Instrument), a qual fornece de forma detalhada eventos de vida e sinais de psicopatologia dos sujeitos em estudo,
colaboraram a destacada prevalência de depressão na amostra
estudada (102 vítimas de suicídio consecutivamente arroladas).
O diagnóstico de depressão maior foi o mais largamente apontado
(66% dos casos), seguido de transtorno do uso de substâncias(59%).
A importância da comorbidade na elevação do risco de suicídio
também está bem estabelecida. Um estudo finlandês de autópsia
psicológica, numa amostra aleatória de 229 suicídios, revelou que
93% tinham um diagnóstico psiquiátrico de Eixo I. Apenas 12%
dos casos recebeu tão somente um diagnóstico de Eixo I, sem outra
doença coexistente.
Quase metade dos casos (44%) tinha dois ou
mais diagnósticos de Eixo I. Os transtornos mais prevalentes foram
depressão (59%) e dependência ou abuso de álcool (43%). Um
diagnóstico de transtorno de personalidade (Eixo II) foi aventado para
31%, e um diagnóstico de doença não psiquiátrica (Eixo III) para
46% dos casos de suicídio.
Mais além, um recente estudo sobre
a mesma casuística demonstrou que, embora metade das vítimas
consideradas deprimidas estivesse sob tratamento psiquiátrico à
época do suicídio, poucas estavam recebendo tratamento adequado
para depressão.
Os resultados evidenciaram também alguns fatores
mais relacionados a homens sofrendo de depressão: procuram
menos ajuda, menos freqüentemente são diagnosticados como
deprimidos e recebem menos tratamentos para depressão, além
de aderir também menos a estes.
Dentre os deprimidos, dependência química, ansiedade grave,
crises de pânico, agitação e insônia aumentam a chance de morte
por suicídio. Dentre os mais velhos, é comum a coexistência de
doenças não psiquiátricas; dentre os mais novos, transtornos de
personalidade. No caso de transtorno bipolar, os estados mistos,
os delírios na fase maníaca e a falta de adesão ao tratamento
aumentam o risco.
Interessantemente, a presença de depressão por vezes representa o
elo (mediação) entre quadros de ansiedade e suicidalidade, em uma amostra de pacientes psiquiátricos ambulatoriais com transtorno de pânico, que o transtorno de
ansiedade isolado não esteve associado à suicidalidade, ao passo que os indivíduos com comorbidade com depressão maior apresentaram proporções significativamente mais elevadas de associação com intenção e comportamento suicida.
Uma extensa meta-análise sobre diagnósticos psiquiátricos e suicídio indicou que 87,3% dos sujeitos apresentavam algum diagnóstico psiquiátrico previamente ao suicídio. Em geral,43,2% dos casos apresentavam transtornos de humor, 25,7%
apresentavam transtornos do uso de substâncias, 16,2% tinham diagnóstico de transtorno de personalidade, e 9,2% apresentavam transtornos psicóticos. Ademais, as prevalências demonstraram ser significativamente variáveis de acordo com o sexo. De fato, o sexo parece determinar diferenças nos perfis de indivíduos com tentativas
de suicídio, entre as quais se destacam a maior prevalência e
intensidade de sintomas depressivos.
Com o intuito de explorar a relação temporal entre suicídio e depressão,avançaram na investigação de tal interrelação.
Partindo da controvérsia acerca do pico de risco de suicídio em pacientes deprimidos (maior risco precocemente no desenvolvimentodo transtorno depressivo ou risco cumulativo ao longo do transtorno), os autores realizaram um estudo de caso-controle e demonstraram que 74,4% dos suicídios estavam associados ao primeiro episódio de depressão maior, 18,8% relacionavam-se ao segundo episódio, e 6,5% associavam-se a mais de dois episódios.
Mais além, as análises exploratórias de tais dados evidenciaram que comportamentos de impulsividade e agressividade estavam na base de tais diferenças.
De modo complementar, sintomas depressivos parecem também ser decisivos como fator etiológico de ideação suicida e tentativas de suicídio.
Em uma investigação de caso-controle, reportaram que sintomas depressivos(especialmente falta de energia e humor depressivo) estiveram consistentemente associados à ideação suicida, ao passo que características demográficas não
se mostraram preditores neste estudo.
Ainda que a grande maioria dos indivíduos que cometem suicídio tenham alguma patologia psiquiátrica, em sua maioria do Eixo I e predominantemente depressão maior, aproximadamente 10% dos sujeitos que cometem suicídio não as apresentam.
Conduziremos um estudo de caso-controle incluindo uma amostra de vítimas de suicídio com diagnóstico em Eixo I, uma amostra de vítimas sem diagnóstico de Eixo I e uma terceira amostra de controles vivos.
Medida de impulsividade,agressividade,hostilidade e temperamento foram obtidas nas três subamostras.
Os resultados demonstraram que o grupo de vítimas sem diagnóstico
em Eixo I apresentava mais semelhanças com a amostra portadora
de diagnóstico, e não com o grupo controle. Deste modo, a noção
de que traços psicopatológicos têm um papel destacado em casos
de suicídio fica fortalecida, mesmo em casos aparentemente livres
de doenças psiquiátricas maiores. Ademais, os autores enfatizam
a necessidade de ampliação do entendimento da relação entre
patologia psiquiátrica e suicídio, para além da simples associação
diagnóstico vs. suicídio.
Outra abordagem metodológica possível para a investigação de depressão e suicídio é a identificação de características específicas que possam mediar ou moderar esta relação. Ainda que diversas dimensões de personalidade tenham sido investigadas (tais
como neuroticismo, ansiedade e introversão), a associação entre comportamentos agressivos/impulsivos e suicídio tem merecido destaque na literatura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário